Crise política ou cultural?

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Desde junho de 2013, quando aconteceram as manifestações populares no Brasil, tornou-se algo trivial o interesse pela política e pela coisa pública. De repente, acordamos sabendo por quantos ministros é composto o supremo tribunal federal, e quem eram eles. Acompanhar as notícias de Brasília passou a fazer parte de nosso cotidiano. E toda essa crise política rendeu diversos artigos, manchetes, filmes, e até série de televisão.

Em meio a essa crise política e todo esse alvoroço, em uma onda crescente de interesse pela política, eis que se levantam diversos palpiteiros, que desprovidos de um sonso de unidade histórica e cultural, passam atribuir ao governo petista todas as mazelas de nossa nação. Que o governo petista foi o pior da história brasileira, não tenho dúvidas.  Institucionalizou a corrupção e sucateou o país. Mas no arco do tempo, a ocupação pelo partido dos trabalhadores é ínfima. E a destruição da nação vem de muito e muito antes.

Atacado por diversos lados, um dos maiores problemas do Brasil está na educação. Nossos universitários, por exemplo, estão entre os piores do mundo. Metade dos jovens que se formam no Brasil são analfabetos funcionais. Pessoas com dificuldades para montar uma frase com sujeito e verbo, ou fazer uma assimilação correta entre um texto e outro. Nossas universidades passaram a ter como objetivo a prática de autorizar, ou não, que determinadas pessoas exerçam funções específicas na sociedade. Deixou de ser, a muito tempo, um espaço onde se fomenta a atividade intelectual.

Ainda neste ano de 2018, o Banco Mundial divulgou uma avaliação, onde diz que o Brasil precisaria de 260 anos para recuperar o terreno perdido em educação. Algo evidentemente mais grave que os casos de corrução, que tanto ocupam as redes de notícia. Deve-se a isso o fato de que o país está sendo castrado através de seu capital cultural, quando ao invés de preparar as novas gerações, que levarão o país adiante em seus diversos aspectos, estamos retrocedendo.

Toda essa tragédia e esse atraso que envolve o Brasil, vai muito além de governo petista. O governo petista só foi possível pela debilidade causada pela falta do senso de orientação histórica, e, posteriormente, a falta do senso de orientação cultural. Em geral o brasileiro não tem a menor ideia de quais fatos históricos pesam, ainda nos dias de hoje, sobre sua conduta e sua vida. E é justamente essa quebra da unidade histórica que tem nos arrastado até a condição em que nos encontramos hoje. Quantas pessoas são hoje capazes de remontar o que era a atmosfera brasileira antes da capital ser transferida para Brasília? Algo que é hoje impensável.

Mediante a crise cultural e histórica que enfrentamos, talvez seja mais fácil falar de algo mais recente: a crise cultural. Através da cultura, diversos movimentos políticos conseguem dominar toda uma nação. 20 ou 30 anos antes da revolução soviética, já tínhamos uma cultura comunista espalhada pelo globo. No Brasil, seguindo os ensinamentos de Antônio Gramsci, o movimento comunista se infiltrou nas escolas, nos seminários e nas redações de jornais, passando a ocupar de forma hegemônica os espaços culturais, para a partir de ali promover a revolução comunista, a qual até hoje sofremos os efeitos em nossa sociedade.

Com demasiada dificuldade, hoje está sendo possível uma percepção, por uma parte da população brasileira, da ocupação de espaços realizada pelo movimento comunista. Eles estão nos seminários, dizendo que Marx foi deturpado e conduzindo os novos sacerdotes à teologia da libertação. Eles estão nas escolas, ensinando as crianças sobre ideologia de gênero. Eles estão nas universidades, dizendo que o comunismo nunca existiu e que Hitler foi de direita. Eles estão na grande mídia, defendendo as pautas esquerdistas e demonizando o conservadorismo. E depois de um longo período, a sociedade começou a perceber tudo isso.

Por fim, a unidade histórica. Aquela cujo a falta proporciona que revoluções culturais, como a comunista, aconteça com maior facilidade. Falta a nós, brasileiros, um senso de orientação temporal, e que é proporcionado pela unidade histórica. Nos EUA qualquer aluno conhece bem a história de sua nação. Sabe como surgiu e conhece a história de seus fundadores e personagens principais. É totalmente inverossímil pensar que um estudante americano não saiba quem foi John Adams, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson ou Abraham Lincoln. O motivo? Eles estão nas matérias curriculares, nas livrarias, no teatro, no cinema, e nas discussões públicas.

No Brasil, se você perguntar quem foi José Bonifácio, considerado o fundador do Brasil, quantas pessoas seriam capazes de responder, e quantas pessoas conhecem sua história? Quantas pessoas sabem que fomos um dos impérios mais respeitados da história e, que, no tempo da monarquia, fomos pioneiros no ensino da medicina e das ciências? Ou que tivemos a 4ª maior potência naval do planeta? Quais são os lugares ocupados pela história do Brasil nas livrarias, teatros e bilheterias de cinema hoje?

Mais antiga que a crise cultural, a quebra da unidade histórica iniciou-se a partir de um grande golpe sofrido pela nação brasileira: a proclamação da república. A ideia de república não era aceita pela sociedade. Tendo em vista que não tinham o apoio da população, os candidatos do partido republicano dificilmente conseguiam se eleger para algum cargo. E para eles, a única forma de tomar o poder era através de um golpe militar.

Para conseguir aplicar seu golpe, os republicanos apostavam em Marechal Deodoro da Fonseca. Herói da guerra do Paraguai, mas que estava aborrecido, sentindo um certo desprestigio da monarquia em relação ao exército. Para conquistar Deodoro, uma armadilha foi colocada em prática pelo major Sólon Ribeiro, que fez circular uma história falsa de que o governo havia mandado prender Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, e ele próprio. As tropas ficaram revoltadas e se rebelaram nos quarteis. Visconde de Ouro Preto, presidente do conselho de ministros, até tentou pedir aos chefes militares que apaziguassem a situação nos quarteis, mas foi ignorado. Marechal Deodoro acabou ameaçando e expulsando o ministro do cargo.

Como Deodoro estava doente e voltou para sua casa, não anunciando a queda da monarquia, os republicanos, temendo que ele se intendesse com o imperador, colocaram em prática uma segunda armadilha. Redigiram a proclamação da república, que colocava Deodoro como chefe do governo provisório, e foram até a casa dele para convence-lo de assinar. Para fazê-lo assinar, os republicanos inventaram outra mentira. Disseram que o imperador havia convidado para presidência do conselho de ministros o Silveira Martins, com quem Deodoro havia disputado – e perdido – os amores de Adelaide, filha do barão de triunfo. Ao ouvir isso, ele dá um pulo da cama e grita: “Esse não. Por nada neste mundo”. Deodoro então assina e aplica o golpe da proclamação da república. Algo que era contra a vontade do povo, e que nasceu da mentira e da disputa entre dois homens por uma mulher.

É algo completamente pueril imaginar que a crise que enfrenta nosso país é meramente política, e que apenas por meio de nosso voto a situação pode ser contornada e resolvida. A crise não é política, porque o movimento comunista, que aqui implantou uma revolução cultural na década de 60, não trata de ideologias. Por tanto, não se trata de adesão racional a uma doutrina, mas se trata da participação emocional e imaginativa em uma cultura. Devemos nos conscientizar que vivemos em meio a uma guerra cultural, e preparar a nova geração que vai substitui essa que aí está. Preparar uma geração que seja capaz de ocupar os espaços na sociedade. Que seja capaz de promover os registros dos acontecimentos históricos através da literatura, das peças de teatro, dos filmes e documentários. Uma geração que tenha o senso de orientação histórico-cultural e que seja capaz de repassar isso para as próximas gerações. Somente desenvolvendo nas pessoas essa necessidade da orientação pela cultura e pela história é que teremos, futuramente, pessoas capacitadas para ocupar os diversos postos na sociedade, e aí sim ter gente gabaritada para iniciar a mudança que é necessária. Sem essa nova geração de pessoas, apenas votar em um ou outro é o mesmo que enxugar gelo. Escolhendo a pessoa certa, pode funcionar como válvula de escape, mas não resolve o problema.
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